O petiz pobremente vestido rondava a loja da f1orista já havia alguns dias. Parava diante da montra, mirava embevecido as lindas flores e depois desandava. Por vezes tentava atravessar a porta da loja, mas depois arrependia-se e ia uns tempos atrás de qualquer pessoa que saísse da loja com um ramo de flores.
Tinha a mãe já há dias no hospital. Tinha adoecido de repente e fora operada de urgência. O rapazito ia todos os dias visitar a mãe e quando passava pela florista ficava tempos a admirar as flores.
Estava-se nas vésperas do Natal e não sabia ainda quando a mãe sairia. A mãe passaria este Natal com certeza no seu leito da enfermaria. Se ao menos ela pudesse ir passar a casa só o dia de Natal! Mas não. O médico tinha sido firme, tinha de ficar mais bastantes dias no hospital, pois a operação tinha sido grave e precisava de tempo para se restabelecer. Já que tinha de ser assim, iria ele passar o dia de Natal com a mãe, pois se ela fosse para casa, os trabalhos domésticos e ter de tratar dos filhos e do marido fariam perigar todo o êxito da operação. Queria levar um presente à mãe mas não tinha dinheiro. Só tinha dez tostões que uma senhora lhe dera, por lhe ter feito um recado. Guardava a moeda cuidadosamente, não fosse perdê-la, mas com ela não podia comprar nada que se visse para dar à mãe.
O que poderia ele comprar com dez tostões? Estava tudo tão caro. Nem bolos, nem rebuçados, nem chocolates... O que ele gostaria de comprar para levar à mãe era um ramo de flores. Mas quanto custaria um ramo de flores? Daqueles que as senhoras traziam quando saíam da loja, muito bem decorados com laços de fita colorida. Nem fazia ideia quanto custaria um cravo ou um botão de rosa. Se ao menos, a florista fizesse dez tostões de flores, nem que fosse só uma... Hesitava por isso em entrar na loja da florista. Lembrava-se do dia de Natal do ano anterior. Nessa altura a mãe ainda estava boa e tiveram um lindo Natal, com fritos polvilhados de açúcar, doces e até brinquedos. Também havia flores e azevinho de folhas muito verdes com bolas vermelhas. A mãe e ele gostavam muito do Natal mas este ano sem a mãe em casa, cada um a puxar para seu lado, ia ser tudo muito triste. Mas quando chegasse o dia de Natal tinha de levar qualquer coisa à mãe. Flores é que era bom... Com estes pensamentos, resoluto, entrou na florista e cheio de coragem disse para a empregada:
- Dê-me dez tostões de flores !
- Dez tostões de flores?!... repetiu interrogativamente a empregada... - Oh, filho, nada custa dez tostões. Só se fosse um malmequer, mas não tenho malmequeres.
O rapaz ruborizou-se até às orelhas, envergonhado, já arrependido, de ter entrado na loja. Lembrava-se muito bem que já várias vezes fora à mercearia, mandado pela mãe, comprar dez tostões de café ou dez tostões de açúcar ou dez tostões de arroz. Para a gente pobre o merceeiro costumava vender aquelas pequenas porções.
É certo que pouco, mas porque na florista não podiam fazer dez tostões de flores?
Distraído com estes pensamentos o rapaz repetiu:
- Dê-me dez tostões de flores que são para a minha mãe que está doente...
A empregada não se apercebeu de todo do drama do garoto e só via o seu pedido sob o ângulo comercial e repetiu:
- Mas já te disse que não há nada aqui que custe só dez tostões... Mas espera só se forem uns raminhos verdes. E mecanicamente deu-lhe umas folhinhas de avenca e aceitou a moeda...
Mas nisto, várias pessoas que estavam na loja repararam na ânsia do miúdo. E uma, do seu lindo ramo que acabara de comprar, deu-lhe uma linda rosa, outra um cravo, outra um colorido cíclamen, outra ainda umas poucas de gerbérias. Uma senhora, de uma haste de orquídeas, deu-lhe uma linda orquídea cor de rosa. O ramo crescia e o rapaz, atónito, ficou com as mãos cheias de flores.
Então é que a empregada acordou da sua frieza e entendeu toda a grandeza de alma daquela criança. Pegou no ramo assim formado e com todo o cuidado atou as flores todas, forrando os pés com uma prata e ligou-os com um lindo laço de fita doirada. Formou um lindo ramo que devolveu ao petiz com a moeda. O garoto pegou nas flores e saiu porta fora, só sabendo dizer, cheio de emoção:
- Obrigado, obrigado...
E nunca, pelo Natal, qualquer Mãe deste mundo recebeu tão lindo ramo de flores como aquele.
Cícero Galvão
Dezembro de 1976
Sem comentários:
Enviar um comentário