A tertúlia reunia todas as noites num canto obscuro do café “Studium”, frequentado por estudantes e intelectuais.
Saboreando os cafés servidos pelo Vieira, o criado veterano que tinha assistido à formatura de sucessivas gerações, doutorado “honoris causa” por todas as Faculdades, em noites de glória comemorativas de fins de curso, os componentes da tertúlia do canto escuro discutiam o acontecimento do dia – a tia velha e rica do António Cabral, a tia alentejana proprietária de uma riquíssima herdade com mais de mil hectares de terras férteis de cortiça, azeite e pão, morrera. O Cabral estava rico.
- E não era só a herdade – informava um – havia também alguns prédios em Lisboa e cerca de mil contos em títulos do Estado. Coisa para mais de dez mil contos! – fazia as contas o Fonseca, o mais íntimo do Cabral que com este já várias vezes tinha avaliado a fortuna da tia rica.
- Vai deixar de nos conhecer – comentava céptico o Alves, engenheiro, mas homem do campo com a paixão agrícola – com uma fortuna daquelas! E que sabe ele de lavoura para entrar na posse de uma herdade de mil hectares ? Dá Deus nozes...
O Fonseca continuava:
- Já passei umas curtas férias com o Cabral nessa herdade que é constituída por uma montanha inteira. As extremas estão definidas por verdes vales e ribeiros cantantes a partir dos quais se estendem férteis várzeas e vergéis que pouco a pouco se vão acidentando até ao agrupamento das casas a que lá chamam “Monte”.
A casa de habitação está dentro dum denso bosque sendo a maior parte da propriedade revestida de grossíssimos sobreiros, nas altitudes mais baixas, e de gigantescos eucaliptos, fechados pinheirais e um sem número de espécies exóticas. Um verdadeiro paraíso! – rematou o Fonseca.
A tertúlia ouvia, vivamente interessada, a descrição e havia no ambiente um não sei quê de amargura pela perda do Cabral.
Não havia dúvida, o Cabral tinha de se afastar deles. Com a responsabilidade da administração duma fortuna daquelas, não tinha mais tempo a perder em conversas inúteis de café.
- E a casa? A casa é boa, oh Fonseca? Perguntou o Fernandes, arquitecto de recente formatura.
- Não, a casa não é grande coisa. Um velho casarão de pedra e cal, sem estilo e sem gosto, caiado de branco. A tia do Cabral não ligava muito à casa. As fazendas é que eram tudo para ela. Costumava dizer: “Casa onde caibas, fazendas que não saibas” e foi arredondando sempre a herdade pela compra das quintas vizinhas, nunca se interessando muito pela casa. O arquitecto aguçou que o Cabral agora é que podia lá mandar fazer um bom palácio...
Súbito, surgiu o feliz herdeiro, carregado de luto, com ar taciturno. Os amigos não o faziam em Lisboa e foi com surpresa que o viram chegar.
O Teles, que desistira de estudar medicina para se dedicar aos negócios com o pai, ia a esboçar um “Parabéns, oh Cabral” mas emendou a tempo, expressando os seus sentimentos.
O Cabral abancou, recebeu os “sentidos pêsames” dos amigos e com um ar triste murmurou:
- Pois é verdade, rapazes, a Titi lá morreu. Foi já há dias e eu cheguei mesmo agora do Alentejo. Vou precisar da vossa ajuda para deslindar toda esta herança. Tenham paciência, os amigos são para as ocasiões. E, dito isto, despediu-se, porque estava arrasado, prometendo-lhes vir no dia seguinte, pois tinha uma surpresa para todos.
No dia seguinte a tertúlia lá estava reunida, à hora do costume, e ansiosa por conhecer a surpresa do Cabral. Nem faltou o Camacho que na véspera ficara em casa a estudar para um exame, pois frequentava “armas gerais” para seguir a carreira militar.
O Cabral não se fez esperar e a novidade rebentou naquele canto escuro do café “Studium”. O novo dono do enorme monte alentejano vinha proporcionar-lhes apenas isto: Irem todos viver para lá. Cabiam todos naqueles mil hectares que se perdiam de vista e o “Monte” precisava de gente com imaginação e iniciativa para se desenvolver. Havia vasto campo para pôr em prática os conhecimentos e a vocação de cada um.
O Fonseca, formado em Direito, seria o jurista que começaria por resolver todos os intrincados problemas relativos à herança e depois poria a claro todos os actos e contratos relativos à herança e depois poria a claro todos os actos e contratos relativos à propriedade.
O Alves, dada a sua queda para a agricultura, seria o técnico das explorações agrícolas e, como era engenheiro, promoveria o fomento industrial.
O Fernandes, arquitecto, assumiria o encargo dos projectos das obras a fazer na herdade, e tantas seriam.
O Teles, comerciante, trataria dos negócios de compra e venda.
O Camacho teria de sacrificar a sua carreira militar, mas tinha de ter paciência, a tertúlia não podia dispensá-lo. Aplicaria a sua vocação militar na defesa do Monte e no estudo dos grandes planos das caçadas. A titi queixava-se de que a herdade era, por vezes, assaltada e dizia que, noutros tempos, tinham-se lá realizado reais caçadas.
O Camacho resignou-se. Ante a expectativa de uma vida tão sublime, rodeada de amigos tão sinceros e generosos, e o encargo de aturar labregos, não podia hesitar – iria com os amigos para o Alentejo. Como bom militar, não hesitaria.
O Alves perguntou como se chamava o Monte. O Cabral, timidamente murmurou:
- Tem um nome feiote, chamam-lhe lá o Monte das Cotovias, um pouco ridículo não acham?
- Com efeito, com efeito, exclamaram alguns.
Mas Cabral tinha uma ideia: Dadas as condições panorâmicas do Monte, pelo alto nível mental que lá se iria viver, a herdade só podia ter um nome: - O Olimpo, melhor “O Novo Olimpo”. E eles seriam os novos Deuses que o habitariam, numa atmosfera elevada de beleza, de sabedoria, de compreensão e de comodidade.
- Caramba! – exclamaram alguns – isso é que é nível!
O Camacho propôs logo que se distribuíssem as “pastas”. Ele queria ser Marte à viva força e propunha o Cabral para Júpiter, o Deus supremo que podia governar todos e até os outros Deuses.
A ideia foi aprovada e a mesa animou-se extraordinariamente.
O criado Vieira, solícito, tinha servido, por conta própria, além dos habituais cafés, conhaque e Porto das melhores marcas, pois apercebera-se de que grandes momentos estavam ali a viver-se. O Alves, entusiasmado, pedia charutos para todos.
A ideia de se encarnarem em Deuses excitara a Assembleia.
A um canto da mesa o Fonseca e o Fernandes disputavam já o título de Apolo. Júpiter, impondo a sua autoridade, fez terminar a querela dando o título ao Fonseca. E explicava: O Fonseca tem muito mais físico! Tu, Fernandes, apesar de artista, serás Neptuno, em homenagem à tua vocação para as coisas do mar. E, como arquitecto, dou-te já o encargo de construíres um grande lago onde hoje existe um charco, que há-de passar a ser domínio teu e onde poderás criar delfins, animais que te estão consagrados, segundo a mitologia!
O Alves, o engenheiro, optara por Vulcano – seria o novo Deus do fogo no Novo Olimpo e das forjas que montasse na herdade sairiam as mais belas obras de metalurgia.
Restava qualificar o Teles, o comerciante incipiente e médico falhado, que escolheu Mercúrio. Seria de bom grado o mensageiro dos Deuses e dedicar-se-ia em especial aos negócios do “Novo Olimpo”. Cabral, o novo Júpiter, foi o primeiro a retirar-se. Os amigos que ainda ficaram não se cansavam de elogiar a camaradagem e a generosidade de Júpiter.
Naquela noite, investidos nas altas dignidades dos novos Deuses, nenhum foi capaz de conciliar o sono.
Júpiter teve uma larga conferência com Mercúrio, a propósito das finanças do Olimpo.
Havia dois meses que se tinham instalado na vasta herdade e a realização dos grandes planos já tinha começado.
Centenas de operários formigavam pela interminável propriedade na abertura de caminhos, na construção de lagos, na distribuição de águas e na construção do palácio digno dos novos Deuses do “Novo Olimpo”.
Para o pagamento dos direitos de sucessão tiveram de ser vendidos os títulos do Estado. E como se ficara sem dinheiro disponível, a conselho de Mercúrio, venderam-se também os prédios de Lisboa.
-“Era preciso liquidez” – afirmara Mercúrio com os seus conhecimentos de economia – “quer dizer: massinha livre, dinheiro disponível”.
Apolo tinha cuidado de todas estas operações com zelo e saber inexcedíveis, próprias de um verdadeiro Deus.
As obras prosseguiam, em ritmo acelerado, sob a directa orientação de Vulcano e Neptuno, assistidos por um formidável Estado Maior de arquitectos e engenheiros.
Nos bancos existiam quatro mil contos à ordem de Júpiter e estavam para breve as novas colheitas e a tirada da cortiça. A situação não era má e uma só preocupação devia subsistir: caminhar o mais rápido possível com todas aquelas realizações de que já se fazia eco no País.
Quando o outono chegou, o palácio estava concluído e a inauguração foi uma festa sensacional.
Marte organizara impecavelmente uma caçada maravilhosa. As peças abatidas, ao fim da tarde, cobriam completamente os vastos terraços do Olimpo. Júpiter dera ordem para se oferecer toda a caça a instituições de caridade. Os vastos salões do palácio foram invadidos por dezenas de convidados que demoradamente percorreram as luxuosas instalações daquela elite da humanidade.
Entretanto o elenco do Novo Olimpo tinha sido enriquecido com mais duas divindades. Marte casara-se e a sua mulher quis ser Diana. Por sua vez, Júpiter atribuíra à filha do caseiro as funções de Ceres pelo muito zelo que punha nos trabalhos agrícolas e pela muita simpatia que lhe inspirava.
Continuava a trabalhar-se activamente no Olimpo, que cada vez estava mais belo. O imenso lago que substituía o charco estava pronto. Era quase um oceano, em forma de um grande ovo, sendo no meio profundíssimo.
Neptuno, com muito custo, arranjou os delfins que nadavam regaladamente no lago, aflorando de vez em quando à superfície das águas quietas, com os lombos luzidios a rebrilhar ao sol. Neptuno, em calções de banho, deitava-se à água e perseguia os delfins. Era um espectáculo delicioso que deleitava Júpiter nas tardes cálidas do verão.
Marte e Diana continuavam a organizar caçadas cada vez mais belas e dispendiosas. Apolo também se perdia agora pelo gosto da caça e acompanhava muito o casal venatório.
Uma tarde, Júpiter passeava sozinho, através duma densa mata, quando ouviu um forte restolhar de folhas secas, atrás duma sebe. Júpiter foi dar com Diana nos braços de Apolo em doce e adúltero idílio. Surpreendidos, declararam que se tinham perdido de Marte numa caçada. Júpiter esteve quase para dar largas à sua ira. Mas deixou o casal em paz, continuando o seu passeio. Mais adiante encontrou Marte que procurava ansioso, com um belo perdigueiro, farejando a sua Diana perdida...
Foi a primeira nuvem sobre o Olimpo e Júpiter, encolhendo os ombros, pensava que era um Deus dos Deuses, bondoso e tolerante, incapaz de expulsar qualquer Deus do Olimpo como o outro fizera.
No começo do Verão seguinte Mercúrio pediu audiência a Júpiter para um assunto grave e sério. A rapaziada estava a sentir-se um pouco presa no Olimpo. Ele próprio, mensageiro dos Deuses, não dispunha dos necessários meios de acção, queria dizer, de locomoção. Enfim, não estava também certo que personalidades como eles, melhor, divindades como eles, andassem a utilizar-se de meios de transporte que eram utilizados por vulgares mortais. Concretamente, era preciso dotar a rapaziada, e evidentemente o Deus dos Deuses, com uns carritos cómodos e elegantes que lhes permitissem deslocar-se facilmente às cidades mais próximas ou à capital.
Para Júpiter propunha a compra de um “Packard” de aspecto digno, para ele, Mercúrio, estaria indicado um “Mercury” para lhe facilitar o serviço e até para lhe dar com o nome. Marte fazia questão dum carro militar, devidamente camuflado, aos laivos amarelos e verdes, o que teria muita vantagem nas caçadas quando se embrenhassem nas matas. E para Apolo, Neptuno e Vulcano, como se deslocavam menos, uns utilitários serviam...
Júpiter indagou do custo daquele delírio automobilístico e, informado de que era coisa para uns quinhentos contos, complacentemente passou o cheque.
Estava-se na época das colheitas e Júpiter quis, em concílio, rever a situação material do Olimpo. O ano agrícola ia mau; o trigo tinha-se perdido totalmente; no azeite, o ano era de contra safra; ao centeio dera-lhe a cravagem e como não havia uma guerra a valer, só podia ser vendido como palha de segunda. (Marte nesta altura escapou-se subreptíciamente). Júpiter continuava a expor a situação: as varas de porcos não se vendiam, os fundos disponíveis estavam a extinguir-se e entretanto as grandes construções continuavam – depois do palácio residencial, do lago gigantesco dos delfins, das estradas, do abastecimento de águas, estavam previstos, o “auditorium”, as fábricas de fundição para Vulcano, as instalações para o pessoal, com refeitórios, creche, campos de jogos e hospital, além dum sem número de construções, como currais, vacarias, etc. etc. Para tudo era preciso muito dinheiro disponível e a situação não se estava a mostrar muito desafogada.
Mercúrio sugeriu, para dar vazão aos porcos, que se montasse uma fábrica modelo de salsicharia. Já havia projectos elaborados. Mas Júpiter informou que depois da compra dos automóveis tinham ficado apenas quinhentos contos em depósito. Não era nada para as obras em curso. Tinha-se de pôr um travão em tudo aquilo.
Mercúrio comentava com timidez, que estavam novamente sem massinha livre como no princípio. Júpiter blasfemou em aparte: e tudo aqui a viver à tripa forra...
Apolo pediu a palavra: inteirado da situação do Olimpo era de opinião que não tinha havido o cuidado de poupar os fundos iniciais enterrando-se dinheiro demasiadamente, e ele não nascia; para mais, o ano agrícola era mau. Só havia, pois, uma solução – hipotecar o Olimpo e entrar-se no regime da maior austeridade.
Júpiter encarregou Mercúrio de ir a Lisboa tratar da hipoteca. Apolo devia dar-lhe todas as instruções e fornecer-lhe a documentação necessária. Com efeito, Mercúrio partiu para Lisboa no dia seguinte com asas nas rodas do seu belo “Mercury”.
Entretanto, Neptuno pedia audiência a Júpiter para lhe dar conhecimento dum caso grave – os delfins do lago tinham morrido. Júpiter ouvia indiferente a notícia. Neptuno parecia um pouco preocupado com as responsabilidades, pois os delfins tinham custado um dinheirão e estavam ao seu especial cuidado. A culpa tinha sido do Instituto Oceanográfico de Paris que não tinha esclarecido devidamente o “habitat” dos bichos – não se deram bem com a água doce e morreram.
Era pena, uns animais tão perfeitos, que tinham vindo tão bem acondicionados de França num wagon-piscina, construído de propósito para eles. A falta de água salgada tinha sido um lamentável acidente. Júpiter ouvia-o distraído, a pensar na hipoteca do Olimpo, mas ainda pôde esboçar uma graça: “Neptuno, meu velho, neste Olimpo és um Deus de água doce” e aconselhou-o a enterrar os delfins para não apodrecerem as águas do lago.
Júpiter convocara de novo os Deuses para lhes comunicar os seus novos projectos. Ia propor-lhes uma mudança radical daquele estilo de vida. Eram necessárias medidas enérgicas, como propusera Apolo – Acabar-se-iam as obras empreendidas e nada mais; por-se-ia fim às caçadas dispendiosas que eram simples pretexto para Marte mexer em pólvora e para Diana exibir a sua beleza e a sua leviandade. Para férias já lá iam dois anos e o melhor de cinco mil contos. Tinham de ir todos ao trabalho pois a hipoteca teria de ser paga em 10 anos e com juros caros. O trabalho deles e o rendimento da herdade tinham de redimir a Ideia Sublime que os levara a viver em comum. E quem não concordasse, ou não estivesse para sacrifícios, que saísse do Olimpo, se tornasse num simples mortal, num fraco, num sem vontade.
Ninguém desertou. Eram Deuses para as boas e para as más horas.
Entretanto Mercúrio não dava notícias e já havia uma semana que partira.
Eram sempre negócios demorados, mas Júpiter já estava a inquietar-se. O Olimpo valia agora oito mil contos à vontade e a hipoteca ia ser tentada em três mil. Passada outra semana ainda não chegara notícias do mensageiro dos Deuses e Júpiter, aflito mandou Apolo saber do que se passava.
Apolo regressou ao Olimpo, sem Mercúrio e sem dinheiro e a novidade era esta: Mercúrio pisgara-se! Traíra os amigos e o Olimpo, mas havia poucos pormenores. Mercúrio tinha estado poucos dias antes no Banco de Crédito Imobiliário e conseguira negociar a hipoteca por quatro mil contos, mercê de influências do pai junto do Presidente. Vários amigos viram-no numa noite no Olímpia a encharcar-se de champanhe com uma coupletista espanhola.
Soube depois, no Aeroporto, que, no dia seguinte à cena com a coupletista, partira com ela para a Argentina, levando todo o dinheiro que podia salvar o Olimpo...
Era uma traição inqualificável e uma vergonha – um Deus do Olimpo fugir com uma coupletista do Olímpia!
Júpiter ouvia serenamente e meditava sobre este descalabro moral. A sua comunhão tão generosa com amigos tão íntimos só tinha provocado abusos e desregramentos. A traição de Mercúrio era o golpe fatal, assim o disse a Apolo, disposto a acabar com tudo e aconselhando-o a fugir dali, com Diana, para pôr fim a mais um escândalo.
Naquele triste fim de tarde, Júpiter foi refugiar-se na modesta casa do caseiro, que nunca o deixara de tratar por menino António e, numa cadeira de palhinha, descansou o corpo e regalou os olhos, mirando as louras tranças de Ceres e a serena beleza dos seus vinte anos.
Há muito já que Cupido tinha feito das suas entre os dois, que se olhavam agora compreensivamente. Ceres, de olhos húmidos e luminosos, suspirou uma intimidade: ao que tudo isto chegou, menino António! Júpiter confirmou num murmúrio: ao que isto tudo chegou...
E foi o desmanchar da feira.
Apolo fugiu, com efeito, com Diana, seguindo o conselho de Júpiter.
Neptuno partira para Lisboa e metera uns empenhos para se alistar na marinha mercante.
Vulcano, o mais sensato, comprou a Júpiter a fábrica de fundição que tinha montado, ficando de a pagar em prestações suaves.
Marte, desiludido e atraiçoado, despediu-se, cabisbaixo, disposto a partir como voluntário para a guerra da Coreia e decidido a deixar-se matar por um chinês.
Júpiter deixou o Novo Olimpo aos cuidados do velho caseiro da Titi, à sua rotineira administração. Ficavam lá enterrados os seus sonhos de beleza e de vida superior e o melhor de nove mil contos. O Olimpo passaria chamar-se o “Monte das Cotovias” e Júpiter seria o simples António Cabral que pediu em casamento Ceres, a loirinha filha do caseiro.
Refugiaram-se ambos em Lisboa, onde montaram uma frutaria no Chiado, a grande ambição da modesta Ceres, disposta a trabalhar activamente junto do marido para resgatar o falhado “Novo Olimpo” o seu querido “Monte das Cotovias”, a bela propriedade, onde tinha nascido, agora também sua, relíquia da família dos patrões tradicionais de seus avós.
Cícero Galvão
Dezembro de 1950
Sem comentários:
Enviar um comentário