Santo António era, como todos sabem, português. O seu verdadeiro nome era Fernando de Bulhões.
Nasceu em Lisboa em 1195 e morreu na Itália, em Pádua, em 1231.
Tomou o hábito de S. Francisco e distinguiu-se como pregador em África e em Itália.
A sua memória é venerada em todo o mundo católico, especialmente em Portugal, Espanha e Itália, onde é designado por Santo António de Pádua, onde existe uma monumental basílica, conhecida por Basílica del Santo.
Foi tornado Doutor da Igreja em 1946.
É considerado taumaturgo, não têm conta os milagres que lhe são atribuídos e é também invocado especialmente para encontrar objectos perdidos.
A história que vou contar foi-me contada, por sua vez, por outro grande amigo meu, grande devoto de Santo António.
Florbela era uma linda rapariga, esbelta, inteligente e alegre.
Todos que a conheciam gostavam dela.
Estava noiva e toda ela irradiava felicidade. No entanto, um dia o casamento desfez-se. Sem qualquer satisfação o noivo deixou de aparecer.
Comprometido como estava, bem recebido em casa da noiva, com data marcada para o pedido de casamento, o rompimento do noivado causou estupefacção geral e um profundo desgosto a Florbela, que adoeceu.
Bem os pais e as amigas a consolavam, referindo que o noivo não a merecia.
Veio a descobrir-se que era um aventureiro, fazendo-se passar pelo que não era, useiro e vezeiro em aventuras daquela natureza.
Uma amiga, também muito devota de Santo António, deu-lhe uma imagem do Santo que trouxera da Basílica de Pádua, quando lá fora numa peregrinação.
Florbela estimou muito a oferta e pouco a pouco foi-se recuperando daquele tremendo desgosto.
Tornou-se também grande devota do taumaturgo.
Passou tempo. Florbela reconfortada por tão grandes amizades e pela fé no santo de Pádua e de Lisboa recuperou completamente a saúde e em breve já saía e passou a ir a festas com as amigas.
Interessante como era, atraía as atenções dos rapazes e não lhe faltaram oportunidades de arranjar outro namoro.
No entanto, Florbela não correspondia aos galanteios dos conquistadores, embora as amigas a animassem a sair daquele isolamento e lhe gabassem as qualidades deste ou daquele D. Juan.
Até que um dia também a ela despertou mais interesse um dos pretendentes. Não se comprometeu, mas o certo era que este lhe merecia mais atenções.
Conversavam longamente, havia uma perfeita coincidência de gostos e de opiniões.
As relações evoluíram no sentido de se gerar uma grande amizade.
O rapaz demonstrava, efectivamente, um bom senso e equilíbrio extraordinários e Florbela sentia-se cada vez mais enamorada dele.
Admirava sobretudo a sua sensatez e a sua grande serenidade, mas notava ao mesmo tempo uma grande reserva, quase timidez, que não o incitavam a fazer uma declaração formal de amor.
Quando as relações se estreitaram e já havia uma certa confiança um com o outro, chegaram a trocar delicados presentes, flores e adereços femininos da parte dele e principalmente livros da parte dela.
Um dia ele disse-lhe que tinha de fazer uma viagem um tanto demorada. Mas escrever-lhe-ia, estivesse descansada.
Florbela esperou ansiosamente pela carta.
E passados dias chegou, com efeito, a carta que ela recebeu com alvoroço.
Era uma carta delicadíssima em que o rapaz confessava a grande amizade, amor mesmo, que tinha por ela.
Julgava ser correspondido mas tratava-se de um amor impossível e não podia por mais tempo andar a empatá-la.
As relações que surgiram entre eles, que deram origem àquele amor, deviam cessar pois ele era casado já havia alguns anos e tinha um filho. Pedia-lhe desculpa mas tinha de tomar uma decisão e quanto mais tarde o fizesse pior seria. Desejava-lhe as maiores felicidades de que as suas qualidades a tornavam inteiramente merecedora.
Era afinal uma carta de despedida.
Florbela teve uma tremenda crise de nervos e chorou convulsivamente.
Numa fúria, pegou na imagem de Santo António e atirou-a pela janela fora.
Logo um enorme alarido se ouviu, vindo da rua. Florbela caiu em si. Só então reparou no mal que tinha feito e chegou à janela.
Na rua numerosas pessoas rodeavam um homem que, prostrado no chão, sem sentidos, com o sangue a escorrer- lhe pela cara, tinha sido atingido na cabeça pela imagem de Santo António que jazia feita em pedaços.
Florbela, arrependida, desceu à rua a socorrer a vítima do seu acto tresloucado.
Aproximou-se do rapaz que continuava inanimado e já estava a ser socorrido. Acompanhou-o numa ambulância que entretanto tinham chamado e seguiram para o Hospital de Santo António.
Florbela, que se tinha desculpado com uma piedosa mentira - dissera que estava à janela com a imagem na mão e, sem querer, deixou-a cair - assumia as suas responsabilidades.
Entretanto, um homem tinha apanhado os fragmentos da imagem e entregara-os a Florbela.
No hospital soube que a sua vítima, que durante o trajecto voltara a si, chamava-se António - como o santo.
Florbela ficou impressionada com a série de coincidências: a imagem de Santo António tinha caído sobre a cabeça do rapaz que também se chamava António e que se foi tratar no Hospital de Santo António! Ficou pensativa.
O estado do rapaz inspirava certos cuidados. Tinha sofrido forte traumatismo e suspeitava-se mesmo de fractura de crânio.
Florbela tornou-se uma assistente dedicada e incansável. Sempre que lho permitiam estava à cabeceira do doente, cada vez mais arrependida do seu acto disparatado.
O doente ia sentindo melhoras e agradava-lhe muito a delicada presença de Florbela que muito contribuía para a sua cura.
Chegou o dia da alta. António não sabia como agradecer as atenções da causadora do acidente que o vitimara. Ia ter alta mas custava-lhe separar-se dela. Iria agora ele visitá-la todos os dias - prometeu-lhe. E quase que bendizia aquele estúpido acidente.
Estava enamorado.
Florbela enamorara-se também de António e sentia que agora era verdadeiramente feliz.
O namoro não foi prolongado e passado pouco tempo casaram.
Santo António, carinhosamente restaurado e curado das suas fracturas, no quarto dos noivos, abençoava do alto do seu pedestal, colocado sobre uma cómoda antiga de boa madeira, aquele casal feliz.
E digam lá agora que não se deve acreditar em milagres...
Cícero Galvão
Dezembro de 1977
Sem comentários:
Enviar um comentário